Um povo sem chefe é um navio sem leme, é um corpo sem cabeça. Os povos, em qualquer época e em qualquer lugar da terra, jamais viveram por muito tempo sem um chefe que os conduzisse e orientasse e que também, coibisse seus excessos e abusos.

Os garimpeiros que primeiro chegaram ao Garças eram, na maioria, homens rudes, sem instrução e por isso mesmo, não fugiram à regra. Desde o início, estes sertanejos já sentiam necessidade de ter um chefe, tornando-se carentes, quando souberam que o próprio governo pretendia despejá-los de suas casas e despojá-los de suas jazidas, presenteando-as ao coronel Moreira. Esse chefe que surgiu por acaso ou predestinação, no momento certo, era o Dr. Morbeck. Vindo de Jequié, na Bahia, estado que contribuíra com o maior contigente de garimpeiros para o Garças, o engenheiro-agronômo era estadista, tinha dons de liderança e, necessariamente, foi feito chefe do Garças.

No comando da garimpeirada, Morbeck teve que forçosamente implantar o coronelismo, regime mais conhecido, mais aceito e até mais conveniente e adaptável ao meio, já que a maioria desta gente inculta e rude tinha vivido pacificamente sob este regime na Bahia.

Apesar das conveniências e aceitação pacíficas do regime, Morbeck teve que tomar certas precauções, atitudes e providências para consolidá-lo, sendo algumas delas interpretadas com barbarismo. Entre elas as seguintes:

1º – Expulsão do Promotor de Justiça da Comarca de Santa Rita do Araguaia, o Dr. Alloysio Valadares, em 1923;

2º Fuzilamento de Olavo de Tal e mais oito companheiros, em setembro de 1924, no Alcantilado do Garças;

3o – Assalto à delegacia de Santa Rita do Araguaia, em 24 de maio de 1925, e saque da casa de comércio do Sr. Manoel Balbino de Carvalho, vulgo Carvalhinho;’

Obs: De acordo com o livro “Barra do Garças no Passado” de Valdon Varjão, página 95 o fato sucedeu da seguinte forma: “Ao verificar a fuga de Carvalhinho, o dr. Morbeck sela as portas da casa comercial de Carvalhinho e pede que ninguém a invada, uma vez que se deve respeitar o inimigo, mas a jagunçada sob ordens do Major Candinho invadiu o estabelecimento e foi uma verdadeira avalancha. Toda mercadoria que importava e alguns milhões da época, foi saqueada pelos invasores”

4o – Expulsão do Sr. Daniel de Lima da região de Garças, sob a ameaça de morte e confisco dos bens, inclusive das dragas (máquinas de garimpagem). (Nem mesmo a ação do Senador Azeredo, seu particular amigo, conteve esta ação justiceira do engenheiro);

5o – Prisão do Juiz de Direito da Comarca de Santa Rita do Araguaia, o Dr. Deocleciano do Canto Menezes e a morte do coronel Honório e do Sargento Dyonísio, conforme pode verificar-se da Petição publicada em “O Jornal”, da capital do Estado, em 16 de novembro de 1925, parte da qual transcrevemos abaixo:

“Consciente, desse modo, do sério perigo que colocava sua vida em jogo se permanecesse na sede da Comarca de que é digno Juiz, o paciente, para escapar à sanha do seu perigoso inimigo, procurou fugir para o vizinho Estado de Goiás, tendo como companheiro de infortúnio os cidadãos Honório Álvares, suplente do substituto do Juiz Federal desta secção e Dyonísio Carvalho, Sargento Comandante do Destacamento Policial dali, as maiores vítimas do ódio do Agrônomo Morbeck, que mandou imediatamente, uma escolta de paisanos armados ao seu encalço, no intuito de capturá-los. Dessa diligência sinistra, da mais iníqua perversidade resultou a prisão de três fugitivos e, em seguida os frios assassinos do cel. Honório e do Sargento Dyonísio. Quanto ao Dr. Deocleciano foi amarrado e conduzido, a viva força, para Vila do Araguaia, onde se encontra à mercê dos mais vergonhosos sacrifícios, prisioneiro de seu desabusado algoz.”