Do livro: “História de Guiratinga”

Autor: Ailon do Carmo
Pg.: 365/366/421/425

E foi justamente graças a esse significativo prestígio granjeado junto a políticos influentes na capital Cuiabá, que José Morbeck acabou sendo nomeado, em 1913, Diretor da Repartição de Terras, Minas e Colonização, do Estado de Mato Grosso, via Ato Administrativo n° 462, de 28.01.1913, assinado pelo então Presidente do Estado, Joaquim Augusto da Costa Marques. Quando tudo parecia que ia às mil maravilhas para o Dr. Morbeck, um fato inesperado, no ano seguinte, iria interromper sua meteórica ascensão no Poder Público do Estado.

Com efeito, em 1914, o Presidente Costa Marques resolveu celebrar um Contrato de Concessão da região do vale do Garças, com o ‘Coronel’ Antônio Mota Moreira, “testa-de-ferro” de grupos estrangeiros com interesses em Mato Grosso, mais precisamente uma multinacional inglesa denominada “Cia. Indústria e Comércio”, segundo documentário do seu neto, Milton Pessoa Morbeck Filho, em cujo contrato, oficializado através da Resolução n° 686, de 26.06.1914, concedia-lhe autorização para a exploração de todos os tipos de minérios porventura existentes no vale do rio Garças.

O teor do malsinado contrato era nestes termos: concessão para “explorar as jazidas minerais, metais e metalóides, fósseis minerais, etc., existentes no Vale do Rio Garças e seus afluentes, estendendo-se de suas cabeceiras até sua foz, no rio Araguaia”. Um autêntico absurdo!

Acontece que, por questões regimentais de Estado, a homologação final do malsinado Contrato de Concessão teria que ser precedida do parecer ‘favorável’ do Diretor da Repartição de Terras, Minas e Colonização, cargo ocupado exatamente pelo Dr. José Morbeck. De se imaginar o terrível drama vivido por Morbeck, naquele cruciante momento histórico: aquiescer às conveniências espúrias do Presidente do Estado e seu superior, emitindo favoravelmente o seu parecer; ou repudiando-as, posicionando-se frontalmente contrário a elas, em seu parecer , em defesa da moral pública, do riquíssimo patrimônio mineral do estado, e da sobrevivência de milhares de garimpeiros que já habitavam aquela região? Morbeck, apesar da gravidade do fato, e do fascínio do poder que já começava a desfrutar, não titubeou em se decidir pela segunda opção, emitindo parecer ‘desfavorável’ à Concessão das terras do Vale do Garças, levando o Presidente Costa Marques quase à loucura!

O corajoso gesto de Morbeck, contudo ecoou por todo o Mato Grosso e fora dele, indo refletir até mesmo no Congresso Nacional, onde representantes de Mato Grosso, dentre eles o Senador Azeredo da Silveira, então Vice-Presidente do Senado, enalteceram a sua postura de cidadão integro e valoroso. Morbeck conquistou até mesmo a simpatia e admiração do General Cândido Mariano da Silva Rondon, residente no Rio de Janeiro. O extremado gesto de Morbeck foi um magnânimo exemplo de civismo e de respeito humano aos humildes caçadores de diamantes do Garças.

 

“História de Guiratinga”

Pg.: 421/425

O grupo dos Morcegos tinha como comandante geral o engenheiro José Morbeck e como comandante das tropas em operação o Sr. Ondino Rodrigues Lima (maranhense). Os subchefes de operações eram os seguintes: Leonardo Côrtes, Silvano Gonçalves Lima (Marajá), Gumercindo Morbeck (irmão do Dr. José Morbeck), Domingos Balão, José Celso Rabelo (Zuza), Raimundo Pereira Lima, irmãos Martins (João, Lourenço, Miguel e Estevam), José Pé Grande, Chico Pacheco e João, seu irmão. Estes homens, em seus respectivos postos, formavam a administração geral das tropas morbequianas.

Por outro lado, o grupo dos Cai N’água (as tropas do governo) tinha como comandante geral o coronel Manoel Balbino de Carvalho, o Carvalhinho e, como comandante das forças em operação, o capitão Daniel de Queiroz. Os principais combates desta Revolução aconteceram nas localidades Morro da Arnica, Aldeia, Cai-Cai, Córrego Danta e Santa Rita do Araguaia ( atual Alto Araguaia).

O final do conflito

A revolução de Morbeck e Carvalhinho, ao que se pôde apurar da versão de Sabóia Ribeiro, começou no governo de Pedro Celestino Corrêa da Costa (1924), atravessou de Estevão Alves Corrêa (1924-1926), e atingiu o de Mário Corrêa da Costa, que decidiu por um fim no conflito (início de 1926). Vejam-se as versões de Sabóia Ribeiro e Cruz Xavier, sobre o fim desse movimento revolucionário, a começar pelo primeiro:

“Já agora fora empossado como substituto constitucional de Pedro Celestino, o Dr. Mário Corrêa da Costa, que ordenou ao capitão da trota policial colocada ao lado de Carvalhinho o regresso a Cuiabá, ao mesmo tempo enviado ao local, para receber o material da paisanada belicosa, o chefe de Polícia Waldemiro Corrêa, a fim de intervir no município de Santa Rita do Araguaia e estabelecer o império da lei. Completa a ação nomeando o Desembargador Custódio Asclepíades para exercer as funções de delegado especial do Governo na zona perturbada em seu sossego.

A esta altura, os bandos rivais estavam esgotados. Concordaram no armisticio e terçaram as armas. Não restava a Carvalhinho senão a retirada, pela segunda vez do seu reduto, penetrando com aparência de vitória, Morbeck e sua gente. Nenhum, na verdade, saiu vencedor da contenda. Permaneceu Morbeck na demolida praça de guerra exausto de recursos, desprestigiado pelo novo governador e financeiramente abalado. Em condições iguais Carvalhinho voltou para Poxoréo, corrutela fundada no decorrer e em consequência dos acontecimentos.

A paz fora, enfim restabelecida no Leste de Mato Grosso, embora episódios isolados de violência ainda continuassem existindo. Ainda que a custo do sacrifício de inúmeras vidas, o determinado engenheiro José Morbeck conseguira a realização do seu ideal: a não realização, pelo Governo do Estado da cobrança de impostos sobre a produção mineral nos garimpos da região do rio Garças, que ela batisara de “Garimpeirama”. Com isso, encerra-se um dos mais destacados (senão o mais) e empolgantes capítulos da História de Mato Grosso: a Revolução de Morbeck e Carvalhinho da qual os nossos consagrados historiadores infelizmente quase nada registraram em seus anais”.

 

Observação:

No prefácio do Livro “Poxoréo e o Garças” de Jurandir da Cruz Xavier, o Dr. Edgar Nogueira Borges, declara:

E, enquanto caminha em sua narrativa-depoimento, vai lançando luzes em desvãos que a historiografia oficial, tem sido, como em todo o Brasil, não a história do seu povo, mas a biografia de alguns pró-homens da elite dirigente que, no uso do poder político, registram apenas as notícias que os mitificam e do ângulo que mais lhes favoreçam.

Enquanto que esta história, registrada por Jurandir, conta a vida de uma sacrificada e aventureira parcela do povo brasileiro, com toda sua crueza, sua obstinação, suas ditas e desditas, sem reverência gestuais aos donos do poder econômico e político local.

(Parte do prefácio escrito por Dr. Edgar nogueira Borges no livro “Poxoréo e o Garças”)