As nomeações de Carvalhinho como Delegado Especial do Garças e Araguaia e de agente arrecadador das minas dos garimpeiros soaram aos ouvidos de Morbeck como uma declaração de guerra. É que ele percebeu logo a trama do coronel Pedro Celestino e viu confirmada a traição do seu compadre Carvalhinho, o qual, de longa data, ambicionava-lhe o poder. Decidido como sempre, Morbeck rompe de vez com Carvalhinho e muda-se do hotel onde ambos se hospedaram no Rio de Janeiro.Depois volta para o Garças e aguarda.

Carvalhinho passa primeiramente em Cuiabá, e de lá vai para o Garças, já investido nos cargos para os quais fora nomeado. Acompanhava-o uma escolta de soldados bem armados, municiados e bem preparados para qualquer conflito.

Chegados a Santa Rita do Araguaia, os soldados aquartelaram-se em um casarão à beira do rio Araguaia, onde passou também a funcionar a Delegacia de Polícia.

Morbeck, avisado em Cassununga de que seria, em breve, atacado pelos homens de Carvalhinho, comandados pelo tenente José Rodrigues de Souza, reúne alguns homens e na madrugada do dia 24 de maio de 1925 antecipa-se na ação, atacando, à noite, a Delegacia de Polícia de Santa Rita do Araguaia.

Acordados com o barulho das sucessivas rajadas de tiros, os homens de Carvalhinho, sem condições de resistir para se salvarem, lançaram-se nas águas do rio Araguaia, atravessando-o a nado. Carvalhinho fugiu e sua casa de comércio, depois de saqueada, foi também queimada.

 

Obs: De acordo com o livro “Barra do Garças no Passado” de Valdon Varjão, página 95 o fato sucedeu da seguinte forma: “Ao verificar a fuga de Carvalhinho, o dr. Morbeck sela as portas da casa comercial de Carvalhinho e pede que ninguém a invada, uma vez que se deve respeitar o inimigo, mas a jagunçada sob ordens do Major Candinho invadiu o estabelecimento e foi uma verdadeira avalancha. Toda mercadoria que importava e alguns milhões da época, foi saqueada pelos invasores”

O próprio evento sugeriu os apelidos que passaram a identificar daí por diante os dois grupos em luta; Morcegos eram os homens de Morbeck, porque atacaram à noite e e Cai N’águaos homens de Carvalhinho, porque caíram nas águas do rio Araguaia para se salvarem

A FUGA DE CARVALHINHO E SEU RETORNO À LUTA NO GARÇAS

Como diz Sabóia Ribeiro (19 ) confirmando as palavras de Euclides da Cunha, o sertanejo quando recua é mais temeroso ainda. Carvalhinho, em sua fuga do cerco em Santa Rita do Araguaia, já planejava sua vingança.

Sua volta para a Bahia à cavalo, passando por Mineiros e atravessando os chapadões goianos, à noite, para se proteger de uma possível tocaia dos homens de Morbeck, foi muito rápida.

Em Salvador, Carvalhinho comunica-se com o Presidente de Mato Grosso, coronel Pedro Celestino, que lhe reitera o apoio, prometendo-lhe inclusive indenizar a casa de comércio queimada por Morbeck e seus homens e fornecer-lhe 300 praças comandados pelo capitão Queiroz, homens bem treinados e bem armados.

Na sua volta à Cuiabá, Carvalhinho traz do melhor celeiro de jagunços da época, a Bahia, alguns dos mais perigosos destes, entre os quais, o famoso Domingos Laborão.

Por medida de cautela, Carvalhinho, desconfiado como sempre, despreza a rota por terra e vem pelo Prata, subindo os rios Paraná, Paraguai e Cuiabá, até chegar à capital do Estado de Mato Grosso.

Apesar do contingente militar (300 praças comandadas pelo capitão Daniel Queiroz), que lhe foram entregues pelo coronel Pedro Celestino e os jagunços que trouxera da Bahia, Carvalhinho mandou um seu amigo de confiança a São Pedro, no futuro município de Poxoréo, recrutar garimpeiros para a luta, inclusive forçando-os, se necessário. Estes recrutas deveriam ser capitaneados pelos seguintes homens de sua estrita confiança: Antônio Cândido da Silva, alcunhado Sete Escamas; Agenor Borges, o Mão de Paca; Félix Carvalinho ou Félix Bravo; Oscar Braga e Domingos Laborão.

Por outro lado, as mesmas providências de recrutamento já tinham sido tomadas pelos homens de Morbeck, agora comandados pelo coronel Candinho, pois o engenheiro Morbeck se encontrava no Rio de Janeiro.

Carvalhinho, arregimentando policiais, jagunços e recrutas (voluntários ou forçados), parte para o Garças, atacando as forças morbequinas no Morro da Arnica, próximo a Tesouro e Cassununga.

Os homens comandados pelo coronel Candinho, ocuparam a parte superior do Morro da Arnica, acreditando encontrar ali, as melhores e mais privilegiadas posições estratégicas, mas os homens de Carvalhinho, aos poucos foram circulando a elevação, tomando todas as suas descidas. Feito isso, entricheiraram-se, cessaram o fogo e aguardaram que a fome e a sede os matasse ou os obrigasse a se expor a descoberto, nas descidas íngremes e difíceis da colina.

Percebendo os homens do coronel Candinho, a situação em que se meteram, precipitaram-se numa fuga perigosa ocasionando com isso, muitas baixas.

Carvalhinho persegue a tropa desarvorada e de vitória em vitória tomou todos os mais importantes povoados e vilarejos, inclusive Santa Rita do Araguaia, donde anteriormente fugira, atirando-se nas águas do rio Araguaia.

No Rio de Janeiro o agrônomo Morbeck ficou sabendo das derrotas sofridas pela sua tropa e apressou-se a voltar, trazendo armas e munições conseguidas através dos políticos, seus amigos, sob o “pretexto de araque” de que ia combater as tropas de Siqueira Campos.

Chegando à Barra do Garças, Morbeck monta ali o seu quartel general e manda os seus maiorais, coronel Candinho, Ondino de Lima e Pé Grande, reunir a sua tropa.

Corajosos e dispostos, mas sem treino, sem conhecimento das armas e sem preparo, os homens de Morbeck são novamente arregimentados, cercam as tropas de Carvalinho em Santa Rita do Araguaia e, depois de acirrado combate, são finalmente rechaçados. A falta de preparo dos morbequinos expunha-os como alvos fáceis, sofrendo, por isso mesmo, sucessivas baixas e derrotas.

Diante dessa situação, refugiaram-se nas serras e alcantis, de onde saíam para as guerrilhas e surtidas noturnas, evitando o confronto maciço das suas forças até que estas estivessem melhor preparadas.

Sr. Alcebíades Figueiredo (Velho Bias). Participou da Revolução do Garças como um dos homens do Treme Terra Morbeck. Atualmente é fazendeiro no distrito de Jarudore, no município de Poxoréo.

Um dos homens mais valentes do grupo comandado por Morbeck, Joaquim dos Santos, apelidado de Pé Grande, por sinal, baiano, foi morto perto de Alto Araguaia, no córrego do Sapo, por Antônio Cândido da Silva, o Sete Escamas, que era um dos mais valentes do grupo de Carvalhinho.

Pé Grande havia saído de Alto Araguaia, comandando um grupo de homens, com a finalidade de interceptar um caminhão de armas que Carvalhinho mandara o Sete Escamas buscar em Três Lagoas. O referido caminhão, um fordeco, tinha como motorista Cloves Hugueney, filho do major Hugueney, considerado o fundador de Alto Araguaia (Cloves, mais tarde foi Deputado Estadual pelo PSD, em várias legislaturas). Este armamento, que não chegou ao destino, encontra-se até hoje no fundo da Lagoa do Sapo.

O grupo dos Morcegos tinha como comandante geral o engenheiro José Morbeck e como comandante das tropas em operação o Sr. Ondino Rodrigues de Lima (Maranhense). Os subchefes de operações eram os seguintes: Leonardo Cortes; Silvano Gonçalves Lima (Marajá); Gumercindo Morbeck (irmão do Dr. José Morbeck); José Caboclo; Domingos Balão; José Celso Rabelo Zuza; Raimundo Pereira Lima; Irmãos Martins (João, Lourenço, Miguel e Estevam); José Pé Grande; Chico Pacheco e João, seu irmão. Estes homens, em seus respectivos postos, formavam a administração geral das tropas morbequinas.

Por outro lado, o grupo dos Cai N’água (as tropas do governo) tinha como comandante geral o coronel Manoel Balbino de Carvalho, o Carvalhinho e, como comandante da

Antônio Cândido da Silva – O Sete-Escamas

s forças em operação, o capitão Daniel de Queiroz.

Os principais combates desta Revolução aconteceram nas localidades denominadas Morro da Arnica, Aldeia, Cai-Cai, Córrego Danta e Santa Rita do Araguaia (atual Alto Araguaia).

O FINAL DO CONFLITO NO GARÇAS

Assumindo a presidência do Estado de Mato Grosso, o primeiro Vice-Presidente, Dr. Estevão Alves Corrêa, em substituição ao coronel Pedro Celestino, cujo mandato estava quase no final, percebeu logo que a luta no Garças tornava-se cada dia mais pesada para os cofres estaduais.

Ocorria naquela época que os suprimentos para as forças do governo, principalmente para a alimentação destas, eram conseguidos através de requisições aos empórios locais, lavouras e fazendas, dificilmente ou jamais pagas pelos órgãos requisitantes. Exauridas ou aniquiladas pelas sangrias das constantes requisições, as casas de comércio e os fazendeiros mudavam-se em busca de melhores localidades, ao lado dos garimpeiros emigrantes. Muitos buracos foram abertos nos campos de cerrados ou nas matas, dentro dos quais eram escondidos móveis e pertences de moradores ou mercadorias das casas de comércio, cujos donos, depois de cobri-los e disfarçá-los muito bem, os abandonavam fugindo para outros lugares.

Na escassez crescente de estabelecimentos que atendessem as fraudulentas requisições, as despesas do governo com as suas tropas (mais de 400 pessoas entre policiais, jagunços e garimpeiros recrutados), tornavam-se cada vez mais vultosas. A situação era insustentável e, além disso, não justificava mais a presença das tropas do governo no Garças, já que a população evadira-se, deixando deserta a praça de guerra. Diante disso, o Presidente do Estado mandou recolher as suas tropas aos quartéis de Cuiabá.

No palco das grandes batalhas permaneceu o engenheiro Morbeck, exaurido de recursos, desgastado, mas ainda respeitado e estimado pelos garimpeiros.

Carvalhinho, comandando ainda um grupo de irrequietos valentões, escória dos jagunços de Horácio de Matos, da Bahia, incapazes de resistir a um ataque do grupo remanescente de Morbeck, retirou-se com seus camaradas para os garimpos de Poxoréo.

Assumindo o Governo de Mato Grosso em 22 de janeiro de 1926, o Dr. Mário Corrêa da Costa, logo de início, temendo uma rápida recuperação do Garças (o que de fato aconteceu logo depois), e com isso a volta dos grandes chefes coronelistas, enviou para o município de Santa Rita do Araguaia, o seu chefe de polícia, Sr. Waldomiro Corrêa da Costa, sob o pretexto de receber os materiais (armas, munições etc.) da paisanada.

Para completar a ação, nomeou o Desembargador Custódio Asclepíades, como Delegado Especial do Garças e Araguaia.