O fato ocorrido em Alcantilado, no garimpo das Pombas, deu ainda maior força a Morbeck e sugeriu-lhe, no ensejo, reforçar a estrutura regimental do seu governo coronelista, apoiado até agora no seu respeito pessoal e na Liga Garimpeira que ele já vinha governando sozinho, mas achava-se inconsistente e perigosa, podendo inclusive ser discretamente manipulada e utilizada para eleger novo chefe, minando-lhe o poder. A sua discussão, dias atrás, com o seu compadre e sócio Carvalhinho, homem inteligente e que, graças à sua amizade, já desfrutava de grande influência e liderança entre os garimpeiros, serviu-lhe, pelo menos, para descobrir que seu compadre e sócio, ambicionavam-lhe o poder.

Por dedução lógica ou intuitiva, temendo uma manobra traiçoeira para enfraquecer-lhe ou despojar-lhe o poder, tratou de fortalecer o seu coronelismo ao molde do coronelismo baiano, já tão conhecido por ele.

Morbeck sabia de tudo e tinha gente pra tudo. Elaborado o seu plano, chamou discretamente o coronel Candinho, homem de sua maior confiança, e o incumbiu de executá-lo, como se todo o plano fosse iniciativa própria e exclusiva do próprio Candinho.

Foi assim que o coronel Cândido Soares Filho, Vice Presidente da Liga Garimpeira e substituto eventual em Assembléia Geral de garimpeiros, sob o pretexto de discutir qual o meio a se empregar para evitar as ameaças e perseguições partidas do governo estadual, contra aquela comunidade.

Tem-se a impressão de que Morbeck queria dar uma demonstração de força e poder, inclusive para o governo estadual, aproveitando-se para isso da presença ali, do sr. major Quirino, Delegado Especial e chefe de polícia da capital que assistiu, a convite, a reunião e foi incumbido de levar uma cópia da Ata da mesma ao senhor Presidente do Estado.

Pareceu-me interessante, para dar maior conhecimento aos leitores do destemor de Morbeck e de seus garimpeiros às autoridades estaduais, transcrever aqui, na íntegra, a cópia da Ata desta reunião, como segue: “Ata da Sessão convocada pelo Sr. Coronel Cândido Soares Filho, presentes os Srs: Dr. José Morbeck, digno chefe da região e mais pessoas de responsabilidades políticas nela residentes, para se discutir qual o meio a empregar para evitar ameaças e perseguições partidas do governo do estado contra essa população, aproveitando-se da oportunidade da presença do Sr. Delegado Especial, Major Quirino Ferreira, Chefe de Polícia da Capital, (o destaque é nosso) Usando a palavra, o Sr. Coronel Cândido Soares Filho expôs aos presentes que atendendo às anormalidades que se têm verificado nesta zona, prejudicando positivamente o progresso e desenvolvimento do Estado, conseqüente da falta de verdadeira compreensão por parte do Governo dos ideais desse povo, por tantas vezes ameaçado e perseguido, propõe o que consta das cláusulas abaixo para serem propostas ao ilustríssimo Sr. Presidente do Estado, por intermédio do seu representante legal, o Sr. Major Quirino Ferreira, Delegado Especial, as quais, postas em discussão e por todos os presentes aprovadas

Vão nesta Ata transcritas, sendo por todos assinada.

Cláusula Primeira — Fica o Governador obrigado a criar nos diversos núcleos da região garimpeira dos municípios de Santa Rita e Registro do Araguaia, autoridades policiais cujos cargos serão confiados a pessoas indicadas pelo Sr. Dr. José Morbeck, ou que dele mereçam confiança, bem como do Presidente do Estado.

Cláusula Segunda – Obrigam-se os chefes e seus correligionários a garantir os Agentes Fiscais e Coletores que o Sr. Presidente do Estado nomeia e faça seguir para os diversos lugares que julgue conveniente, cujos Exatores deverão ser nomeados de acordo com o Chefe e da confiança deste e do Governo, sendo posta em execução a tabela usada pelo Cap. Pereirinha.

Cláusula Terceira — Fica o Sr. Presidente do Estado obrigado a criar nos diversos núcleos, de acordo com as necessidades das populações, escolas para instrução primária.

Cláusula Quarta – Considerando que, o garimpo das Pombas, ultimamente descoberto e explorado é uma continuação da zona do Garças, e a este ligado pela corrente comercial e estabelecido e explorado’ pela população de residência fixa e proprietária na referida zona do Garças, as autoridades e Agências Coletoras ali estabelecidas serão igualmente sujeitas, gozando das mesmas regalias das Cláusulas primeira e segunda.

Cláusula Quinta – Considerando que é de interesse geral o banimento do banditismo de toda região garimpeira, ficará o Presidente do Estado obrigado, por intermédio do seu representante, Sr. Delegado Especial, a abrir neste povoado de Cassununga, o inquérito para apuração das responsabilidades pela chacina das Pombas, incluindo, neste ou em separado, o crime ultimamente cometido na pessoa do inditoso José Lima, com a prisão dos culpados, para serem punidos.

Cláusula Sexta – Atendendo ao crescente desenvolvimento dos povoados de Engenheiro Morbeck e Cafelândia, ficará o Sr. Presidente do Estado obrigado a conceder terrenos para roças, decretando a medição imediata.

Cláusula Sétima – De acordo com o desenvolvimento dos fatos fica concedido ao Exmo. Sr. Dr. José Morbeck o direito de alterar o que consta nas presentes cláusulas ou aumentá-las, visando o interesse geral.

Cassununga, 22 de fevereiro de 1925.

Engenheiro-Agrônomo José Morbeck (que parece ter sido o redator da Ata), Cândido Soares Filho, Antônio Bonifácio Pires, José de Barros Cavalcanti, Joaquim Ferreira Laborão, Salvador Hora, Ondino Rodrigues Lima, Leonardo Cortes, Joaquim de Souza.”

Cópia desta Ata foi enviada ao Presidente do Estado pelas mãos do seu representante legal, o Sr. Major Quirino Ferreira, Delegado Especial que veio buscar os presos em Cassununga, no Garças, e que naquela ocasião e localidade, tinha poder único e exclusivo de escoltar os presos de Morbeck à capital do Estado.

Acompanhando-os seguiram os cabos morbequinos senhores José Franklin, Antônio Leandro e Deija Lira, encarregados de observar o julgamento e condenação dos prisioneiros.

Pela leitura da ata da reunião realizada em Cassununga, no dia 22/02/1925, e também pelas informações fornecidas pessoalmente pelo sr. major Quirino Ferreira, seu representante oficial, não foi difícil ao presidente do estado, o coroel Pedro Celestino verificar o poderio de Morbeck no Garças, principalmente agora que amparado oficialmente pela vontade popular, recebia deste povo, poderes totais e absolutos.

O Garças, de fato, já se sentia com autonomia própria, quase no nível de estado, já que adotara, a revelia do regime republicano vigente no Brasil, o regime coronelista, do qual o dr. José Morbeck se tornara o chefão, com a aceitação passiva e o respaldo popular. Até aquela data, muitas leis estaduais já tinham sido desrespeitadas, a começar pela absurda lei da concessão, que origiou a rebeldia.

A ata da reunião de Cassununga mais pareceu, ao presidente do estado um desacato à sua autoridade do que mesmo uma carta de intenções.