Assaltos à delegacia de polícia de Poxoréo e à subdelegacia de polícia de São Pedro

 

Cessado o conflito do Garças, com a retirada das forças do governo, ficaram na praça de guerra apenas os caudilhos Morbeck e Carvalhinho, este último com um pequeno grupo de irrequietos valentões, na maioria trazidos da Bahia, o maior celeiro de jagunços da época.

Ao lado e protegidos pelas forças do governo, os homens de Carvalhinho fizeram nome, destacando-se uns pela coragem, outros pela crueldade de suas ações. Entretanto, agora sem a proteção das forças governistas, sentiram-se pequenos diante do Treme Terra Morbeck, combalido e desgastado pelos reveses de tantas lutas contra o governo, mas suficientemente forte para arrasá-los no primeiro combate frontal.

Analisando tal situação Carvalhinho, ainda liderando um pequeno grupo, pois ficara apenas com os seus fiéis jagunços, muda-se para Poxoréo, levando-os consigo.

No Garças ficou Morbeck, como um tigre ferido, machucado e derrotado algumas vezes, mas jamais vencido.

Daí por diante, Carvalhinho vivia mais na estrada de Cuiabá do que mesmo em Poxoréo. Tentava receber do Presidente do Estado, Dr. Mário Corrêa, as despesas com a revolução do Garças, feitas por ele, mas autorizadas pelo ex-presidente Dr. Pedro Celestino que lhe prometeu, inclusive, indenizá-lo pela sua casa de comércio, de Santa Rita do Araguaia, saqueada e queimada pelos homens de Morbeck.

O compromisso assumido pelo Dr. Pedro Celestino passou para o Dr. Estevão Alves Corrêa, seu sucessor e deste para o Dr. Mário Corrêa que até então o enrolava, aumentando-lhe assim os prejuízos.

Enquanto isso, o tenente Telésforo Nóbrega Fernandes, delegado de polícia de Poxoréo, escolhido e nomeado pelo Dr. Mário Corrêa pelos seus antecedentes de sadismo e crueldade, rendia garimpeiros todos os dias, por motivos insignificantes ou forjados, espancando-os em vias públicas e nos cárceres. Além disso, sempre encomendava umbigos de boi ao açougueiro Jacinto Silva, com os quais, depois de secos, eram espancados os presos. Na frente da polícia, carregando latas de água na cabeça e apanhando de umbigo de boi, os garimpeiros tinham que subir inúmeras vezes a ladeira íngreme e escorregadia entre o córrego do Areias e a Delegacia, simplesmente para agüar um toco seco que o delegado afirmava que haveria de nascer.

Nas suas andanças por Cuiabá, Carvalhinho sempre contava as proezas da polícia ao Dr. Mário e pedia a substituição do delegado, procurando evitar tantos sofrimentos aos garimpeiros, até que um dia, ouviu da própria boca do Dr. Mário: “Garimpeiro é bandido, tem mesmo é que apanhar. Ainda é pouco o que o tenente está fazendo, tem que bater mais…”

Assustado com as palavras do Dr. Mário e com a expressão do rosto dele enquanto falava, compreendeu Carvalhinho, a extensão do perigo que até ele mesmo corria, e que também jamais receberia sua indenização. Desiludido, decepcionado e amargando a injustiça e o prejuízo que sofrerá, voltou para Poxoréo.

Repetidas vezes os garimpeiros apelavam para Carvalhinho, ainda líder de um grupo de valentes, no sentido de intervir junto ao Governo para substituir aquele delegado, cujo cargo poderia ser ocupado até mesmo por ele; em caso de recusa, expulsariam ou matariam o maldito que tantos males lhes causavam. Carvalhinho agora, depois do último encontro com o governador, resolveu finalmente agir, prometendo solucionar o caso. Em seguida, montando em sua mula, foi ao garimpo do Caracol, na Cambaúva, e depois ao garimpo do Bruno, no Varjão, onde combinou com seus homens o assalto à Delegacia de Polícia de Poxoréo.

Era o mês de julho de 1929, tudo corria melhor do que o planejado, pois previa-se que o assalto na noite do dia 29 se daria sem mortes, já que tinham conseguido subornar o policial que ficaria de guarda na Delegacia por ocasião do assalto. Entretanto, na noite aprazada, a troca inesperada do plantão da guarda, mudou o rumo das coisas. Ao tentarem adentrar-se nas dependências da delegacia, o guarda Manoel José dos Reis reagiu atirando, matou um dos invasores mas foi logo baleado e morto. O delegado Telésforo que se hospedava na Pensão Mineira, não muito distante da Delegacia, ao ouvir os tiros, saiu pelos fundos, de pijama e com o revólver na mão, pretendendo ir até à Delegacia, mas, não chegou lá, pois foi morto no caminho.

A Delegacia foi imediatamente ocupada pelos garimpeiros que apossaram-se das armas e munições.

Avaliando as ocorrências e já contando como certa a réplica do governo, Carvalhinho pensou logo em organizar a resistência, carecendo, a seu ver, de tempo e de armas, pois garimpeiros revoltados era o que não faltava. Destacando alguns dos seus homens, mandou-os imediatamente para a localidade de Cachoeirinha, distante mais ou menos doze léguas, onde existia o posto telegráfico mais próximo. Já em ação bélica, eles deveriam cortar o fio da linha telegráfica, impedindo assim uma possível comunicação mais rápida com o Presidente do Estado; na volta, queimariam duas pontes de madeira, o que atrasaria a vinda do reforço policial, em carro, procedente de Cuiabá. No mesmo instante determinou que outro grupo de homens, comandados por Félix Carvalhinho ou Félix Bravo, como era mais conhecido, fosse a São Pedro atacar a Sub-Delegacia de Polícia e tomar as armas que se faziam necessárias para resistir ao ataque das forças governistas.

Com chapéus grandes nas cabeças, lenços vermelhos nos pescoços e montados em fogosos corcéis, os homens de Félix Bravo cortaram os espigões das Cabeceiras Bonitas rumo ao povoado de São Pedro. Na estrada encontraram um policial que vinha de São Pedro para Poxoréo. Passaram-no à condição de preso, tomaram-lhe as armas e obrigaram-no à voltar em sua cavalgadura, para o lugar de onde estava vindo.

Chegado à Vila de São Pedro, aproveitando-se do fator surpresa, Félix Bravo coordena logo o ataque à sub-delegacia de polícia.

O sargento-comandante do destacamento policial, Benedito de Paula Corrêa, foge em desabalada carreira, mas o policial paraibano de nome Severino, ao qual os garimpeiros haviam acrescentado o apelido de Canavial, pelo fato de ingerir muita aguardente de cana, resistiu sozinho até esgotarem as balas de todas as suas armas. Depois, num gesto de bravura e heroísmo, Severino Canavial gritou para os atacantes: “Minhas balas acabaram, mas ainda tenho o punhal e com ele vou brigar com todos vocês”.

Félix Bravo, admirado com a coragem do policial gritou para seus homens: “suspendam o fogo, deixem ir em paz o soldado. Um homem com tamanha coragem e bravura não merece ser morto!”

Severino Canavial saltou para fora da delegacia brandindo o punhal no ar corcoveando como um possesso; como ninguém o agrediu ou atirou nele, afastou-se negaciando e andando sempre de costas, até desaparecer.

A sub-delegacia foi imediatamente saqueada, encontrando-se poucas armas sem munição.

Félix Bravo retornou com seus homens a Poxoréo e encontrou Carvalhiho triste e decepcionado. É que muitos garimpeiros haviam fugido para várias fazendas do município esquivando-se, com isso, ao possível recrutamento que viria. A recente revolução do Garças, cujos episódios sangrentos ainda se mantinham vivos nas mentes dos garimpeiros, os aconselhara evitar a repetição da tragédia nos garimpos de Poxoréo.

Por castigo de Deus ou por capricho do destino Carvalhinho, que há bem pouco tempo lutara ao lado do governo, impondo a sua autoridade e com ela recrutando garimpeiros, voluntários ou não, para lutarem contra o seu ex-amigo Morbeck, já agora carecia dos préstimos e do apoio do mesmo Morbeck, único capaz da façanha de recrutar garimpeiros voluntários para lutarem contra o governo e também o único capaz de socorrê-lo naquela situação.